A luta das mulheres negras latino-americanas e caribenhas

Ambiafro
7 min readJul 28, 2022

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Por: Larissa Cruz Vieira

Montagem: Lucas Santos

Precisamos nos esforçar para “erguemo-nos enquanto subimos”.
Em outras palavras, devemos subir de modo a garantir que todas as nossas irmãs e irmãos subam conosco. — Angela Davis em Mulheres, Raça e Classe

No dia 25 de julho é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, a data originou-se em 1992 no encontro de Mulheres Negras em Santo Domingo, na República Dominicana. Foram 300 pessoas de 32 diferentes países para discutir sobre a visibilidade das mulheres negras, história do racismo e sexismos na sociedade contemporânea, principalmente a desigualdade entre raças/etnias e gêneros na região. A partir disso permitindo reflexões sobre a discriminação e combate à todas as violências sofridas pelas mulheres (ZAMBRANO, 2017). Desde 2014 no Brasil esta data também é comemorado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi Líder Quilombola que liderou o Quilombo do Piolho às margens do rio Guaporé, no Estado de Mato Grosso no século XVIII.

Desde a diáspora africana nas Américas, com mais de onze milhões de pessoas escravizadas, o período colonial apresenta as diferentes formas entre homens e mulheres escravizados e como foram oprimidos. As mulheres negras escravizadas foram alvos de requintes cruéis, ampla jornada de trabalho, objetificação, diversos tipos de violências, proibição de afetos, religiões e maternidade.

O racismo estabelece a inferioridade social dos segmentos negros da população em geral e das mulheres negras em particular, operando ademais como fator de divisão na luta das mulheres pelos privilégios que se instituem para as mulheres brancas. (CARNEIRO, 2003, p.3)

Toda a violência, a escravidão e a estruturação da sociedade pós abolição inseriu as mulheres negras latino-americanas na camada mais vulnerável da sociedade, sofrendo constantes violências, tornando-se necessário desenvolver grupos, movimentos e a luta pela saúde, educação e espaço no mercado de trabalho. Existe uma estruturação na sociedade com diferenças claras entre homens e mulheres brancos e não brancos, estando as mulheres negras na base da pirâmide social.

No Brasil, com a maioria da população negra, cerca de 55,8%, a mulher negra ocupa exatamente a base da pirâmide social e é desfavorecida em relação ao mercado de trabalho. As mulheres negras representam 28% das pessoas do país, portanto, são o maior grupo demográfico do Brasil. Sendo o maior grupo, mais desfavorável economicamente, possuindo as piores condições de trabalho, recebendo menos da metade do salário de um homem branco. As mulheres negras representam menos de 6,6% dos cargos de liderança no país (INDIQUE UMA PRETA, 2020).

Fonte: https://bit.ly/3oD1OAF

As mulheres negras são colocadas na posição de vulnerabilidade, porém, considerando que representam o maior grupo demográfico do país, representam também a maior potência de trabalho a ser valorizada. Desta forma, muitas mulheres negras possuem apenas uma forma de apoio, às mulheres das suas comunidades, desta forma se organizam em grupos e defendem suas histórias e lutas (RECONEXÃO PERIFERIAS, 2020).

Diversos grupos de mulheres negras são ativos no Brasil, por exemplo, o movimento das mães contra a violência do Estado, ativo à 30 anos, desde a eleição do primeiro presidente não militar após redemocratização do país, este movimento veio em virtude das memórias de violência praticadas no regime militar, principalmente contra aqueles que eram opositores ao regime e da esquerda.

O crime ocorreu no sítio de Magé, na Baixada Fluminense, que vitimou onze jovens periféricos moradores da favela de Acari, na zona Norte, praticado por policiais militares, conhecidos como Cavalos Corredores, trazendo a lembrança da repressão durante o período da ditadura. E as Mães de Acari trouxeram o crime para os noticiários no mundo todo, inspirando o movimento contra a violência policial. Toda essa articulação iniciada nos anos 90 reverbera até os dias de hoje, nacional e internacionalmente, trazendo a luta contra a violência policial e racismo estrutural (CUNHA, 2020; RECONEXÃO PERIFERIAS, 2020)

NÓS, MÃES DE VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA DESTE ESTADO, VAMOS PARIR UM NOVO PAÍS! — Monica Cunha, 2020

Mães de Acari: https://bit.ly/3SaYcUg

O Coletivo Quilombelas busca o aquilombamento, discutir sobre a luta pela liberdade, abolicionista, antirracista, trazendo a valorização do territorial e cultura, realizando ações em espaços de escolas. Por meio da lei lei 10.639/2003 nas redes de ensino é obrigatório o aprendizado da História e Cultura Afro-Brasileira, bordando a História da África, africanos, a luta dos negros no Brasil, cultura negra e formação da sociedade nacional, mostrando a contribuição negra nas áreas social, econômica e política (RECONEXÃO PERIFERIAS, 2020).

O objetivo principal da Educação antirracista é acolher as diferenças e combater as desigualdades, é reivindicar o direito ao afeto aos meninos e meninas negras. É o direito ao colo na educação infantil, a se sentir querido/querida, que dá a mão à criança negra […] educação antirracista não pode perder de vista o afeto aos corpos negros. É projetar uma sociedade com humanidade (ROSA, 2020).

Fonte: https://bit.ly/3PGHtqg

As mulheres encontram-se posicionadas desde a luta contra violência, direito à educação e inclusão da história africana até a sobrevivência das suas famílias no dia a dia, diretamente ligada a ações ambientais. O processo de degradação dos ecossistemas, disputa de territórios, ações antrópicas afetam diretamente as práticas de extrativismo, trazendo invisibilidade para as comunidades tradicionais, pescadores artesanais e quilombolas (SILVA, BENZAQUEN, GERVAIS & MATTOS, 2021).

Um ótimo exemplo são as Mulheres das águas da Ilha de Maré, Salvador — BA, lutando pela defesa do território que vivem. A Ilha compõem a região da Baía de Todos os Santos sendo composta por pequenas comunidades e 60% do território é composto por comunidades quilombolas. A população denuncia há décadas os impactos socioambientais gerados pelo Porto de Aratu, diversas contaminações das águas, fauna e flora, afetando diretamente o trabalho de pesca artesanal e mariscagem. As mulheres estão à frente das organizações de pescadores, papel de protagonistas na luta pelo território e ações que permitam o bem-estar da sociedade (SILVA, BENZAQUEN, GERVAIS & MATTOS, 2021).

“[…] mulheres das águas do mar, da lama do mangue, das águas dos rios, lagoas e lagunas, dos costeiros lamosos, cascalhoso ou arenoso.
Maré-Mulher: territórios feridos, violentados, atacados. São águas que sustentam o corpo da mulher e enriquece o território da maré Mulher, maré, águas, pescadora, extrativista, ribeirinha. […] Corpos/costeiros atacados, desejados, privatizados. Eu, você, elas e nós Mulheres, marés, águas. Somos transformação, ação e muitas vezes emoção. Luta e resistência são nossos nomes e sobrenomes. Protagonismo e invisibilidade conflitam com a história. Nós somos mulheres das águas” (SACRAMENTO 2019:52).

Marisqueiras — Botelho/Ilha de Maré- BA — Fonte: https://bit.ly/3zH5Iiy

Para trazer mudanças a longo prazo no país, é necessário estruturar políticas públicas que tragam as mulheres pretas para o protagonismo que merecem, implementação de cotas em universidades de órgãos públicos, participação em cargos de liderança até mesmo em cargos públicos, como prefeitas, senadoras e presidentes. O exemplo claro desta luta e organização revolucionária que busca esse reposicionamento da mulher negra na sociedade é o Fórum Marielles. O Fórum Permanente de Formação e Fortalecimento Político Marielle Franco foi fundado em 14 de março de 2019, para lutar por representatividade e ocupação de mulheres negras em espaços de poder e decisão.

Uma grande vitória para as mulheres negras é a criação de paridade de gênero e cotas raciais na formação da lista sêxtupla para o quinto constitucional da advocacia, portanto, a garantia na vaga de desembargador, desta forma as mulheres pretas e pardas possuem chances de ocupar uma cadeira no Tribunal de Justiça da Bahia.

“Nós só conseguimos isso porque nos organizamos, respeitamos a divergência e fomos leais com a nossa luta, com o que nós defendemos” Secretária-geral Esmeralda Maria de Oliveira

A vida cotidiana das mulheres negras são impactadas devido a estruturação da nossa sociedade pós período de escravidão, são negligenciadas, vulnerabilizadas e violentadas. Sofrem em todas as vertentes da sociedade, por isso estão posicionadas na base da pirâmide social.

Encontrar forças na sua própria comunidade, entre as mulheres que as cercam e iniciaram organizações para que pudessem ocupar o seu espaço de destaque e direito na sociedade.

Seja em lutas pelo fim da violência policial que nos atinge desde do período de redemocratização do país, por local de direito no mercado de trabalho, representação na política, em cargos no senado ou câmara, até uma educação antirracista que abrace os seus filhos e permitam que sejam amados e respeitados como devem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2020/08/Revista-14-final1.pdf

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-20022018-112511/publico/2017_CatalinaGonzalezZambrano_VOrig.pdf

https://ambiafro.medium.com/mudan%C3%A7as-clim%C3%A1ticas-e-vulnerabilidade-das-mulheres-5a6e012d6839

https://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/view/1351/627

https://nosmulheresdaperiferia.com.br/negras-no-mercado-de-trabalho/

https://readymag.com/u1818798514/2293759/7/

https://www.scielo.br/j/rbeur/a/fCbpyXCkGTFgKnjJgwnfwdN/?format=pdf&lang=pt

http://www.uece.br/eventos/seminariocetros/anais/trabalhos_completos/425-51242-15072018-114301.pdf

http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo6/o-movimento-feminista-negro-e-suas-particularidades-na-sociedade-brasileira.pdf

https://www.scielo.br/j/psoc/a/GYt9tjpSqnHgy6tV7JF8D6c/?format=pdf&lang=pt

file:///C:/Users/laris/Downloads/109999.pdf

https://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/16040/14329

https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/a-mulher-negra-no-mercado-de-trabalho/

Larissa Cruz Vieira é graduada em Ciências Ambientais na Universidade Federal de São Paulo e Gerente de Divulgação Científica na Ambiafro

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